quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O velho e o menino

Para cortar de vez a fita, usando as palavras como tesoura, aí vai a primeira história.

Muito prazer, senhoras e senhores. Aqui quem vos fala é o velho da esquina. Sim, parece um tanto inadequado minha presença aqui para contar-lhes uma pequena anedota. Devem estar a pensar: mas como uma pessoa dessas condições de vida ter uma história interessante? Pois bem saibam, no meu canto, sentado, quieto, sem nada a fazer, tenho ouvidos, caros senhores. Ouço, portanto, muito do que se passa pelos arredores. Contar-lhe-eis então uma das tantas situações das quais fui espectador. Havia certo menino, loirinho, olhos azuis do tipo que qualquer garota acha uma graça... devia ter uns 5 ou 6 anos, apenas, e estava sozinho, andando, e choramingando, com um pequeno urso de pelúcia em mãos. Apertava-o nervosamente. A face já vermelha e molhada, pelas lágrimas. Qualquer um pensaria: está perdido, o coitadinho. No entanto, ele se aproximou de mim, dizendo:
- Por favor, tio, tem uma moeda?
- E para quê seria, caro jovem?
- Para me dar. - soluçando.
- Mas o que pretende fazer com a moeda?
- Pagar o conserto do meu ursinho.
Então mostrou uma pequena fenda, minúscula, no braço esquerdo de seu amado bichinho.
- Onde está sua mãe ou seu pai?
- Estão em algum lugar, andando. Me perdi deles, tio.
- Mas isso para você não é um problema?
- Já aconteceu antes, me acostumei até. Mas meu ursinho assim, nunca.
- Há quanto tempo você o tem?
- Muito, muito tempo, tio.
Imaginei que ele não saiba contar muito bem, quanto mais o tempo com o urso.
- E você sabe onde consertar seu ursinho usando uma moeda?
- No hospital né, tio? É lá que consertam as pessoas rasgadas, não é?
Dei uma breve risada, mas logo parei. O menino não merecia situação pior do que aquela. Estar perdido dos pais mais uma vez, mas nem ligar, enquanto a real importante coisa é o fato do urso estar com um pequeno rasgo em seu braço esquerdo. Me admirei da ingenuidade da criança.
- Pode ser. Mas não acha inconveniente pedir moedas a um mendigo?
- O que é um mendigo, tio?
- Ora, eu sou um mendigo, caro amigo.
- E o que o mendigo faz, tio?
- Pede moedas às outras pessoas.
- Então eu sou um mendigo?
- Mais ou menos. Você é bem melhor que um simples mendigo. Nós pedimos moedas para nós mesmos podermos continuar vivos. Você pede pelos outros, onde no caso o outro é seu querido urso.
- Tio, posso ser mendigo com você aqui?
- Por mim, problema não há. Mas só até os seus pais voltarem.
- Ebaaa! Obrigado! Muito obrigado, tio!
- Não há de quê.
Então a criança senta-se ao meu lado, com toda a sua inocência, tomando todo o cuidado com seu urso. Continuo com meus pedidos de trocados para sobreviver. E o menino seguindo. Tudo quanto eu dizia, ele repetia logo em seguida, apenas mudando o motivo. Após um tempo, os pais dele passam por lá, desesperados, obviamente, à procura do menino. Ao vê-lo sentado ao meu lado, logo me repreendem de qualquer tentativa de explicação. Ainda tive tempo de dizer as últimas palavras ao garoto.
- Menino, não sei o seu nome, não o conheço, mas posso dizer: você será uma pessoa incrível no futuro. É tudo que posso afirmar. Vá com seus pais para consertar seu urso.
O menino nem teve tempo de dizer o nome, mas tenho certeza de que ouviu cada palavra. Os pais, logicamente, na bronca com o menino. E ele partiu e desde então, nunca mais o vi.

Posso dizer, caros amigos, desta história, que mudou completamente minha vida. Uma simples criança, na sua ingenuidade, provando ser muito, mas muito mais sábia do que a grandíssima maioria dos vários adultos que venho a conhecer nesse mundo. Com suas simples palavras, foi de longe a pessoa mais impressionante que vi em toda a minha vida. De tantos contos que possuo na memória, esse é meu favorito. Espero que vocês não vejam a história pelo lado dos pais do garoto, mas pelo meu lado. Pois muitas coisas podem parecer improváveis, mas depende do ângulo com que se vê. Que vocês assumam sempre o melhor lado das coisas em suas vidas, e tenham se entretido o bastante com isso tudo, a ponto de não estranhar que sou um mendigo falando em português culto. Obrigado!

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